terça-feira, 7 de maio de 2013

ÓCIO ou NEGócio?


Tal como mostra a etimologia usada no título deste texto, a nossa cultura tem prezado a distinção entre os tempos de ócio e, o que os nega, os de negócio.
Poderíamos dizer que, para os latinos, a base era o ócio – é que se depreenderia do facto de ser esse o conceito base sobre o qual se forma a sua negação.
Para nós, a base é, claramente, o negócio: o ócio é aquilo que se almeja e se atinge em alguns momentos, nos intervalos possíveis do negócio.
A nível religioso, várias tradições de análise cultural e antropológica identificaram directamente a possibilidade da criação cultural e religiosa com a existência de tempos de ócio, como se de algo acessório à natureza humana se tratasse.
De facto, talvez a cultura e a religião não estejam no pacote mais imprescindível da sobrevivência da espécie, mas cada vez mais se afirma a criação e a fruição das construções mentais como o grande diferenciador face aos restantes seres que habitam este planeta.
Mesmo a tradicional diferenciação entre ócio e negócio, tão afirmada em tempo de férias, tem de ser tomada com grandes cuidados.
O prazer não se afirma apenas no campo do ócio, nem a grandiosidade das criações humanas necessita da pacatez do nada fazer para desabrochar.
Quantas vezes é o stress triunfante, o desgaste, o suor que faz eclodir a grande ideia ou o brilhantismo.
Quão importante é na nossa sociedade a chamada realização individual, quase coincidente com a profissional. A gestão dos prazeres do dia-a-dia passa pelo local de trabalho, pelos desafios e pela afirmação nesse constante mundo do negócio, do trabalho, numa concepção de quase culto e prazer de um «serviço profissional obrigatório».
Quantas vezes em fim de férias não sentimos vontade de voltar às “hostilidades”; um “vamos a eles!”.
Se em tempos ainda não muito recuados alguém afirmou que a religião era o ópio do povo, cada vez mais devemos baralhar esta afirmação de Marx com a cada vez mais forte necessidade de produzir e de nos afirmarmos por esse meio: o trabalho é o ópio do povo.
A uma religiosidade que supostamente anulava a individualidade, a capacidade da afirmação das capacidades do homem (como afirmava Nietzsche), sucedeu uma outra forma de o indivíduo se encaixar no mundo. A grande constante mantém o lugar deixado para o ócio: o periférico que tem lugar umas escassas vezes por ano ...
Ainda não foi desta que o ócio passou a ser a base de tudo.

2 comentários:

  1. Por pedido e dificuldade técnica da autora, aqui fica um comentário:

    Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, ócio é pois cessação de trabalho, quietação, vagar. Será que isto nos diz alguma coisa? Intoxicados pela actividade permanente, que mesmo quando estamos descansando, se traduz pelo teclar "incontinente" nos nossos acompanhantes: telemóveis, Ipads etc. etc. Com efeito perdemos o hábito da tal quietação, da contemplação que nos permitirá sermos o alguém que somos e o absoluto que em nós habita e não a ilusão de um eu egotisado e robotizado. Parece que queremos ou desejamos ser felizes e tal anseio é comum em todo o homem qualquer que seja a etnia, a condição, a idade , o estado.... Contudo perdemos a ferramenta para encontrar o tal caminho da felicidade Pensamos poder compra-la para a consumir, quando apenas se trata de aprender a parar para nos encontrarmos connosco mesmos numa plena presença contemplativa e consciente.
    MV Pato

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  2. Adiro com mais compreensão e alegria à tese de MVPato...
    O sossego, a quietação, a interiorização, um " virar para dentro", regulares e suficientemente pujantes, são a condição para um " negócio" suportável e profícuo. Negócio puro e duro, permita-se-me a expressão, é desumanizante e demasiadamente conotado com outro tipo de teorias que, estamos vendo, tende a escravizar os seres humanos. A ferramenta para chegar ao equilíbrio estará mais ao nosso alcance se não desistirmos de ser gente, se não nos alhearmos do ócio, enquanto no negócio...

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