terça-feira, 7 de maio de 2013

... Jesus Christ, a super star!


Depois do alarido em torno do Evangelho de Judas, publicado em Portugal no início do verão passado (em duas edições, uma pela Ésquilo com tradução do original por Antonio Piñero e Sofía Torallas-Tovar), os media retomam a temática do Jesus histórico, lançando para os noticiários e as primeiras páginas dos jornais uma situação que surge como totalmente nova e provida do dramatismo típico dos assuntos que tudo colocam em causa. Contudo, a questão é bem mais complexa e merece alguns cuidados no seu equacionamento.
Em primeiro lugar, há que perceber que o Ocidente cristão desde há muito se habituou à ideia de que Jesus morrera e, porque ressuscitara e subira ao céu era, de facto, o Salvador. Esta ideia é tão profundamente enraizada que, muitas vezes, se refere Cristo, o epíteto, e não Jesus, o nome. Mesmo os não crentes comungam, muitas vezes, desta visão historicista da ideia de Salvação.
Em consequência deste aspecto quase civilizacional, foi muito tarde que se escreveram os primeiros arremedos de biografias de Jesus, textos que tentavam lançar luz sobre o homem de nome Jesus que, por razões várias, uma parte da humanidade tomara por Deus, fosse-o ou não. A estranheza neste novo olhar sobre Jesus, com este novos olhos não confessionais, era tanta que Renan, autor de La Vie de Jésus (Paris: Michel Levy Freres, 1863), perderia por esse motivo o seu lugar no Collège de France. De facto, o assunto muito coloca aparentemente em causa.
A questão é tão central na nossa própria formulação civilizacional, que não será por acaso que é exactamente neste momento que Bento XVI se prepara para lançar um livro sobre esta temática do Jesus sob o ponto de vista histórico.
Mas nem sempre foi assim: nem sempre esta religião teve como central a ideia de um salvador que ressuscita e, consequentemente, não existe (Não pode mesmo existir, ou não tivera subido aos céus) enquanto defunto.
Ou seja, interessa verificar que esta religião não nasceu como agora se nos apresenta. O nome «cristãos», os que seguem Cristo, nasceu em Antioquia já na época de Paulo - o principal divulgador do Cristianismo que, contudo, não conheceu Jesus. Como grupo autónomo do judaísmo, esta nova religião teve origem no espaço grego ou, pelo menos, judaico em diáspora, falante de grego e já não de hebraico. A ideia messiânica que está na base do nome da religião, kristos, a palavra que servirá como epíteto a Jesus, grafando-se «Jesus Cristo», é grega e não hebraica. Não é por acaso que a religião passou para o futuro com a designação de «Cristianismo» e não de «Jesuísmo» ou «Messianismo».
E isto não quer dizer que ao hebraismo fosse estranha a ideia de ressurreição como evidência da ideia de salvação. Ela era comum, quer a judeus, quer a gregos. Mas o caminho da ideia de salvação não se fazia apenas na dependência da ressurreição. Outras vias surgem significativamente claras em alguns textos não canónicos: os Evangelhos de Tomé e de Judas.
Nesses dois textos, verificamos que, em torno da ideia de Jesus, não existe a necessidade da morte e ressurreição. Aqui constatamos que, para algumas das comunidades primitivas de seguidores de Jesus, a ressurreição não era tida como necessária para se constituir um corpo de crença com os seus seguidores. A morte e ressurreição, para alguns crentes, não era central e, talvez, nem sequer a imaginassem.
Naturalmente, nunca poderemos saber qual a representabilidade relativa desta postura teológica. Supomos que, tendo em conta que a norma que vingou veio a ser a visão fundamentada no Cristo, aquele que ressuscitou, estes grupos fossem minoritários. Mas a verdade é que existiam e, em especial, não era por não acreditarem na ressurreição que deixavam de ver em Jesus o Filho de Deus... caminhos estranhos os da História
Enfim, neste modelo, é totalmente natural imaginar para a figura de Jesus um quadro familiar como, aliás, algumas tradições nos legaram. A ideia de que teria irmãos, assim como a de que teria vivido com Madalena, não é apenas criada por Dan Brown....
Ora, a questão hoje continua a ser complexa e, acima de tudo, incómoda. A eventual descoberta de um túmulo com sarcófagos e ossadas de um suposto Jesus e seus familiares aparece (e assim é apresentada) como a prova de uma grande mentira. Procuram-se testemunhos, leituras, opiniões... tudo é conduzido no sentido de procurar uma ideia de farsa por detrás da actual maior religião do planeta.
Os cristãos da Idade Média, que acreditavam nas lendas da vinda de Maria Madalena para o Sul de França, não deixaram de acreditar em Jesus pelo facto dele lhes ser apresentado como um homem que, como quase todos os outros, procriou. Os gnósticos das comunidades de finais do século I, que fizeram o Evangelho de Judas, não eram menos crentes em Jesus que os que seguiam os textos de Lucas, Marcos, Mateus e João que no século seguinte foram declarados canónicos.
Será que os cristianismos actuais, quer o católico, quer o evangélico (este, muitas vezes profundamente fundamentalista e quase nada crítico em relação à literalidade dos textos), conseguirão não se sentir abalados com estas descobertas, sejam elas verdadeiras ou não?

 Jornal Público22 de Abril de 2007, p. 47.

Sem comentários:

Enviar um comentário