Com escassas referencias nos Evangelhos (surge em dez episódios, e usa da palavra apenas sete), Maria foi sendo cumulada de características de verdadeira divindade, numa evolução doutrinária que colocou Maria cada vez mais como o modelo inacessível da mulher.
Aos dias de hoje, são vários os dogmas sobre a sua divindade, construídos ao longo de mais de 1500 anos, portanto, num aprofundamento teológico que não era natural a início.
O seu cursus honorum é o seguinte:
- Dogma da «Maternidade divina» (431);
- Dogma da «Virgindade perpétua» (553);
- Dogma da «Imaculada Conceição» (1854);
- Dogma da «Assunção» (1950).
Os últimos dois passos são dados já muito perto de nós, numa construção já profundamente rebuscada e cimentada na tradição.
O que se festeja hoje é exemplo perfeito na forma como se cimentou e oficializou. Vejamos melhor a forma como esta data se afirmou no quadro das crenças católicas, especialmente as chamadas aparições de Lourdes, a peça central.
O Santuário da Imaculada Conceição, em Lourdes, é um dos maiores locais de romagem católica. Localizado nos Pirenéus, o santuário recebe anualmente largos milhões de visitantes e peregrinos.
Religiosamente, este fenómeno de devoção leva-nos até ao século XIX, a 11 de Fevereiro do ano de 1858, quando a Virgem Maria terá aparecido pela primeira vez a Bernadette Soubirous, na gruta Massabielle, na altura com apenas 14 anos de idade – numa idade ainda “inocente”, o que é comum neste quadro de aparições (veja-se Fátima).
As aparições terão sido em número de 18, a última a 16 de Julho do mesmo ano. Apesar de proibida de tornar à gruta, a jovem foi encaminhada até à nascente de águas milagrosas onde as aparições se tinham dado. A primeira aparição deu-se a 11 de Fevereiro de 1858 e encaixou perfeitamente na estratégia de afirmação teológica e devocional do culto à Imaculada Conceição.
De facto, o dogma que afirma que Maria nunca conheceu o pecado é de 8 de Dezembro de 1854, proclamado pelo Papa Pio IX. As aparições de Lourdes são de escassos quatro anos posteriores e nelas é a própria Virgem Maria a afirmar-se como «Imaculada».
Como reza a história oficial do santuário, na décima sexta aparição, a Senhora disse quem era: “Que soy era Immaculada Councepciou”. A própria legitimava o seu dogma. As curas milagrosas surgiram logo como forma de comprovar as aparições e de fomentar a fé dos peregrinos.
Desde muito cedo, 1860, que a Igreja Católica reconheceu esses milagres. Ao todo, as aparições foram 18, e parte delas em dias seguidos ou muito próximos, ao contrário do que sucedeu em Fátima (11/2, 14/2, 18/2, 19/2, 20/2, 21/2, 23/2, 24/2, 25/2, 27/2, 28/2, 1/3, 2/3, 3/3, 4/3, 25/3, 7/4 e 16/7).
Logo nas primeiras aparições a vidente foi acompanhada por peregrinos, devotos ou curiosos do momento, que rapidamente eram milhares – a 28 de Fevereiro já ultrapassariam o milhar. Os presentes apenas viam Bernadette em êxtase e a cumprir alguns gestos que se repetiam em todas as aparições: beber da água da fonte, comer algumas plantas que ai nasciam, prostrar-se em sinal de penitência pelos pecadores do mundo.
Terá sido a própria Imaculada Conceição que pediu que ali se construísse uma capela em sua homenagem.
Aos 22 anos, em 1866, entrava para o noviciado das Irmãs da Caridade. A 30 de Outubro de 1867 pronunciava os seus votos. Bernadette Soubirous faleceu com a idade de 35 anos (16 de Abril de 1879), murmurando no leito de morte: “Santa Maria, Mãe de Deus, orai por mim, pobre pecadora”.
A canonização de Bernadette Soubirous teve o sue primeiro passo em 1907 com a abertura do processo. Entre 1909 e 1925 o seu corpo foi exumado três vezes e em todas estava incorrupto. Pio XI, a 14 de Junho de 1925, declarou a sua beatificação. A 8 de Dezembro de 1933, o mesmo Sumo Pontífice, canonizou Bernadette.
A questão da natureza e da experiência de Maria perante o pecado é um dos mais ricos e mais controversos campos teológicos da cristandade. Parte significativa do cisma entre as igrejas Ortodoxa e Católica advém de entendimentos diversos dessa questão. O catolicismo evoluiu o seu pensamento mariológico no sentido de definir a Virgem Maria como nunca conhecedora de pecado algum. Ora, e em palavras muito simples, se Maria nunca conheceu pecado algum, como pode ela ser salva pelo seu Filho?
Este fenómeno religioso também se cruza com Portugal, sendo a Imaculada Conceição a Padroeira de Portugal. Em meados do século XVII, após a Restauração, o monarca português, D. João IV, eleva a Imaculada Conceição a Padroeira do Reino, entregando-lhe a sua coroa. D. João IV prometeu pagar ao santuário de Vila Viçosa a quantia de 50 cruzados de ouro por ano.
Assim, Vila Viçosa era o primeiro santuário com esta invocação em toda a Península Ibérica, afirmando a diferença face a Espanha, a potência de quem se queria a independência. Em Maio de 1671, Clemente X confirmava esta escolha do monarca nacional.
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