quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Uma burca plantada em Palmira - In memoriam - 1

              

Há uns anos, cruzei-me com uma imagem que me deixou perplexo:

                     
Longe vão os anos em que com o meu querido amigo Francisco Moura percorri algumas das mais excepcionais cidades da Síria. Algumas não se hoje existem no seu explendor e riqueza patrimonial. Falo, naturalmente, de Damasco, mas também de Alepo ou da mítica Ugarit onde foi inventada a escrita alfabética com que escrevo.
                
Hoje, no final de Agosto de 2015, parece certo que os terroristas, os criminosos, do auto-proclamado Estado Islâmico terão destruído já vários importantes monumentos dessa mítica cidade. Deles aqui darei conta nos próximos dias.
            
Mas hoje começo por uma ironia. Sim, a cidade que tanto irrita os terroristas tem uma das marcas mais antigas do uso de véu total feminino. Ironicamente, e dificil de digerir opara as mentes radicais desse grupo de criminosos, imagine-se que o baixo-relevo a que me refiro não está em contexto islãmico, mas muito mais antigo, na porta do Templo de Bel... um deus do panteão politeista.
               
Não pretendo desculpar, ou culpar, nada, e muito menos atrair polémicas. Mas é significativo este exemplo para nos mostrar como as tradições são um aspecto importante da chamada Longa Duração.
                            
Não há nada de novo no facto de muitas muçulmanas se cobrirem totalmente... repetem o gesto e o hábito com mais de 2.000 anos. Quem diria que os fundamentalistas que defendem o uso da burca apenas estão a fomentar a repetição da forma como se vestiam as mulheres ao entrar no Templo de Baal... Ironias da Longa Duração.
               
Vejamos esse baixo-relêvo da entrada do Templo de Bel, em Palmira.
              
Cortejo de entrada no templo - possivelmente, séc. II
(eventualmente já destruída)
Cerca de meio milénio antes do nascimento do Islão
foto de Paulo Mendes Pinto - 2007

             










19 comentários:

  1. Paulo, a transposição foi rápida demais.
    1. todas as mulheres da cidade e da época tinham de se vestir assim?
    2. trata-se de uma vestimenta litúrgica ou de uma vestimenta do dia a dia?
    3. essa vestimenta é paralelo das burcas de todas as mulheres ou das freiras de convento?

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    1. Caro Osvaldo,
      Obviamente, não temos fontes para saber ao certo em que circunstancias as mulheres se vestiam desta forma.
      O paralelo é mais honesto com o uso da burca na mesma região. Contudo, faz parte de toda uma mentalidade no Mediterrâneo onde a mulher se deve cobrir e resguardar em variadas situações, nomeadamente ao entrar num espaço sagrado.

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  2. Meu Caro Paulo,
    Ao contrário do comentador Osvaldo Ribeiro, e se bem percebi a intenção do seu texto, o que se pretende ressaltar é a importância, no longo tempo, de uma tradição, de uma "mentalidade" e esta que refere traduz muitíssimo bem esse facto, porque a burca não é só um elemento de "resguardo" do corpo e do rosto da mulher, mas a preservação de um "divino" que ela guarda só revelável no maior e mais íntimo templo religioso: o lar. Ainda sou do tempo em que, entre os católicos, as mulheres tinham de cobrir a cabeça para entrarem nas igrejas!
    Um abraço

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    1. Caro Alves Fraga, ainda hoje, em algumas aldeias do interior isso acontece. Se uma mulher entra na igreja sem ser coberta... fica na fama da localidade! na má fama, claro....

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    2. Luis Alves de Fraga, as Igrejas não são propriamente "lares".

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    3. Caríssimo Luís,
      As associações históricas e simbólicas em relação à burca e a todos os adereços que ocultem o cabelo ou a identidade da mulher têm sempre uma intenção clara: a submissão feminina ao poder patriarcal. E esta tradição não pode conviver com a democracia que prezamos.

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  3. Do que consigo observar, parece-me um típico fato romano:
    As matronas utilizavam sobre a stola (túnica ou vestido comprido cingindo nas ancas) a palla (grande mantilha pregueada sem costuras que ia até aos pés e, ao contrário da toga, cobria os dois ombros, servindo também para cobrir a cabeça).

    Um vestido inferior com mangas era usado sob a stola.

    http://mirobrigaealusitania.blogspot.pt/search?q=a+mulher+em+roma

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    1. Olá Filomena, este caso parece-me um pouco diferente do latino. Apesar de as matronas usarem em certos momentos uma forma de cobrir a cabeça, parece-me que isso não implicava cobrir a totalidade do rosto. Pelo menos não conheço imagem alguma.

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    2. De facto o rosto está totalmente escondido.

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  4. As mulheres no islão tem uma indumentária ridícula e a isso dizem o seu verdadeiro sentido ESTA em ser preservada como elemento sagrado, quando na tal suposta intimidade, no templo sagrado do lar, são violadas, insultadas, escravisadas, espancadas, torturadas e humilhadas. No mesmo contexto o islão tem um grave problema com a memóroa histórica e com o respeito e preservação da vida.Torturam, violam e matam suas mulheres, depois explodem se com bombas matando aos milhares e finalmente chegam ao paraiso onde terão direito a 7 virgens? Ups... 7 virgens para quê?

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    1. Estas generalizações são tão... perigosas e erradas! Conheço muitas mulheres muçulmanas que não se vestem assim, tal como conheço ainda muitos mais muçulmanos que não se explodem...
      Olhar para o todo através da imagem de uma das partes é de uma desonestidade imensa. É como dizer que, como houve a Inquisição, todos os cristãos são criminosos que atiram hereges para a fogueira...
      Errado, não é?....

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  5. A iconoclastia é um dos grandes males do fundamentalismo religioso, de toda e qualquer religião.

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  6. Sr- Doutor Paulo:
    O seu texto está encimado por 2 questões deveras enigmáticas
    1.ª questão: O QUE É, PORTANTO, O TEMPO?
    Leva-nos para as aporias de Zenão em que ele provou que a seta não se movia. Assim é o tempo em que vivemos: Ele é infinitamente divisível em duas metades. trata-se do PRESENTE, porque o passado e o futuro não existem. Não ha, pois, 3 tempos - há só o presente e este esfuma-se - não conseguimos apanhá -lo Ele fica no INFINITO. Daqui podemos partir para o ESOTERISMO PURO e para o ACTO PURO onde S. Tomás colocava Deus- Deus então não existe - É.
    E O TEMPO NÃO EXISTE - é uma ilusão. Teremos então que dizer com CALDERON - LA VIDA ES SUEÑO.
    Eu só digo é que o tema tem pano pra mangas porque entra na METAFÍSICA
    2.ª questão: A placa do PURGATÓRIO anulada com um traço vermelho.
    O Google diz - me que foi por 1200 e tal que se estabeleceu a existência do purgatório nunca aceite pelos protestantes baseados no livro único onde a palavra não existe.
    Interpreto o traço vermelho como uma tomada de posição na polémica.
    É como a placa tracejada a vermelho quando na estrada saímos duma povoação.
    Mas a inexistência do Purgatório trás uma consequência importante sobre o dogma católico do JUiZO FINAL. Não haverá aquela triagem dos bons e dos maus julgando as suas acções praticadas na vida actual. Não houve um corte radical entre esta vida e as que se seguem – há, sim, uma continuidade até á perfeição total.
    A questão torna-se então polémica negando um dos dogmas fundamentais da Igreja Católica que está assente em dogmas e sem eles não vive.
    Mas afinal entrei no campo da especialidade do Sr. Mendes Pinto.
    Será que está de acordo?

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  8. São tradições que devemos olhar e interpretar como representação simbólico de um tempo!...hoje o mundo não é o mesmo, mal seria!...Sou contrária a qualquer destruição e ataque, que arrase a memória dos tempos e suas realidades, assim como a vida de quem quer que seja. Não há certezas, tudo continua questionável e em aberto.

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