sábado, 23 de agosto de 2025

Nuno Baltazar e a Sra. de Fátima: a matéria do religioso recriada entre o kitsch e camp

Parte do património mais importante que temos, não é construído, nem se encontra em catálogos de arquitetura, pintura ou escultura. São do campo das ideias que constroem as identidades, são do universo do que não se salvaguarda colocado numa redoma. Antes pelo contrário, aquilo a que podemos chamar e Património Cultural Imaterial encontra-se no universo popular, na junção entre o crer e o ser, sem grandes monumentalidades e muitos sentires.

Na visita ao MUDE - Museu do Design, a exposição "PORTUGAL POP. A MODA EM PORTUGUÊS. 1970-2020" dá-nos um rico manancial de exemplos da recriação de símbolos e de outros elementos tradicionalmente identificados como importantes na imagética nacional.

Contudo, entre tantas peças de interesse, uma tríade de Nuno Baltazar ganha um lugar de grande destaque, pela forma arrojada e, ao mesmo tempo, simples, de recriar elementos religiosos fora do seu contexto, dando-lhe uma nova dimensão estética, num magnífico cruzamento entre o kitsch e camp.

Retiradas da coleção “Transverse”, do outono/inverno de 2024, estas peças são, nas palavras do Press Release que apresenta a coleção, “um exercício para a criação de diálogos visuais anacrónicos, que resulta de o cruzamento de diferentes personagens […] uma dialética subversiva em que desenraíza conteúdos religiosos e os contextualiza em novos corpos performativos, numa narrativa que cruza a cultura popular com a queer.” (https://www.nunobaltazar.com/collections/38-or-transverse-aw2324/)

Estas peças são um salto de liberdade criativa, o resultado de uma capacidade ímpar de pegar no tradicional e, retirando-lhe o tapete, o colocar num cruzamento entre aquilo que nos espanta e, imediatamente, admiramos.










terça-feira, 19 de agosto de 2025

Os passos da Azinheira Grande sobre a muralha romana de Idanha-a-Velha

 


Com os Ents, Tolkien introduz na cultura popular do ocidente a figura das árvores que falam e andam. É, sem dúvida, uma das figuras mais ricas d’"O Senhor dos Anéis". Árvores protetoras das florestas da Terra-média, são apresentadas como seres antigos, repositório de uma sabedoria que hoje nos confronta. Com uma profunda ligação à natureza, a forma como se movem e falam, com uma lentidão que, ao primeiro olhar advém apenas da sua colossalidade, os Ents são a imagem do tempo que não se esvai no momento, da ponderação e da serenidade, típica de quem consegue ver bem de cima, nunca tomando o todo por parte alguma.

Esta imagem criada por Tolkien no final da década de trinta do século XX, facilmente encontrou material onde se encrustar com muito significado. Vindos do século XIX onde se valorizaram os jardins, na herança do XVIII onde se multiplicaram os jardins botânicos, com toda uma profusão de exótico, as árvores monumentais e antigas ganharam um lugar de destaque na própria ideia de património, sendo hoje classificados e protegidos os espécimes mais antigos ou mais majestosos.

Parecendo galgar o suporte a que se agarra, dando a sensação de estar num desequilíbrio que a fará dar mais um passo, a chamada Azinheira Grande, em Idanha-a-Velha, é uma imensa e centenar árvore que facilmente alimenta a nossa imaginação, depois de um primeiro longo momento de espanto.  

Alcantilada no topo da muralha romana, com um pendor que a coloca numa posição ilusoriamente dinâmica, esta espantosa azinheira de gigantesco porte encontra-se agarrada ao forte núcleo argamassado da muralha, parecendo como que ingerir alguns dos monólitos no seio das suas fortes raízes.

Toda esta árvore é um imenso conjunto de metáforas, no cruzamento entre a cultura e a natureza, ou entre a estaticidade do construído e a dinâmica do natural. Quem domina quem? Quem supera e vence? Quem se lança para um futuro mais eterno?

Naturalmente, recordo a peça de Alejandro Casona, “As Árvores Morrem de pé”, popularizada em Portugal através da interpretação de Palmira Bastos em 1966, em gravação feita pela RTP.

Esta, felizmente, aparenta estar longe de morrer, mas mostra-nos como é o viver. Mesmo que seja entre largos silhares de uma construção já com mais de milénio e meio, uma “ciclópica” muralha romana. Desequilibrada, sem terra fértil onde colocar as suas raízes, lá está ela a dizer a cada um de nós que uma simples semente, uma vez lançada, pode germinar e dar o maior dos frutos, mesmo em ambiente hostil.








domingo, 17 de agosto de 2025

Um local de “dormição”. O Mosteiro Ortodoxo (Romeno) da Dormição da Mãe de Deus, em Idanha-a-Nova


No meio da paisagem aparentemente monótona da Beira Baixa, entre afloramentos graníticos dignos de sagas cinematográficas que nos fazem crer que existem dragões, e um ou outro pinheiro, oliveira, sobreiro ou carvalho, que insistem em dar sombra a algum grupo de gado nestes dias abrasadores, o Mosteiro Ortodoxo da Dormição da Mãe de Deus, em São Miguel d’Acha, Idanha-a-Nova, é um paraíso que qualquer um pode encontrar.

Nestes dias em que tudo arde em Portugal, das matas à nossa confiança, entrar no espaço envolvente deste mosteiro é como que sair do tempo e do espaço profano e encontrar guarida numa pequena mancha de terreno onde tudo está cuidado, qual natureza transformada em cantinho do Éden.

Caminhos, canteiros, bancos, edificações, tudo é orgânico e nos conduz à igreja de onde, ainda ao longe, ouvimos o cantochão que nos mostra que um ofício está a decorrer. Mais nada se ouve, a não ser essa música. Uma ou outra roseira capta o nosso olhar nesse caminho, mas a direção está definida. Aproximamo-nos e, do lado de fora da porta, ficamos a ouvir.

Entramos uns minutos mais tarde, quando o ritual termina e as pessoas começam a sair. É paz o que se sente. É serenidade o que vemos nos rostos que, sem hesitação, nos acolhem e nos dizem, num castelhano que nos deixa espantados, que podemos entrar, ver, estar.

Comentamos com eles esse sentimento de calmaria que corre no ar, infundido, não só pela música que acabara de terminar, como pelo incenso que ainda estava intensamente no ar. Pertencente à Diocese de Portugal e Espanha do Patriarcado da Roménia, este espaço acolhe os visitantes de uma forma aberta e com um espírito apaziguador.

Visitámos o templo, ricamente pintado, onde o Bispo da Ibéria, Vigário desta Diocese que não segue as fronteiras do mundo dos humanos, ainda se encontrava a acolher quem tinha participado na liturgia.

Deixados os metais à porta, despojados das tensões do exterior, esta visita foi o bálsamo perfeito para nos recentrar no fundamental.








sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Portugal e a antiguidade dos sefarditas. Uma peça identitária fundamental

"Anterior em alguns séculos ao Cristianismo, o judaísmo sefardita é parte sem a qual é impossível compreender Portugal."


A minha crónica no Observador, integrada na série "Portugal 900 Anos", da Sociedade Histórica da Independência de Portugal.


https://observador.pt/opiniao/portugal-e-a-antiguidade-dos-sefarditas-uma-peca-identitaria-fundamental

A ameaça do futuro que paira sobre nós

"O chegar da chamada silly season tem para mim muito pouco de silly. Os últimos dias de julho recordam-me sempre que agosto se aproxima a passos rápidos e que, no dia 3, se cumprirá mais um ano sobre a primeira vez que fui seriamente ameaçado por ter escrito um artigo. Comentários rudes, violentos e ofensivos já os tinha tido, e muitos, nas caixas onde tal é possível ser feito em alguns jornais, nas edições online; mas, nesse dia, as palavras foram mais longe, através de uma mensagem pessoal enviada numa rede social ......."


A minha crónica no Público (7 de agosto de 2025):