segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Turquia e Líbano. Que razões para a visita do Papa?

A poucos dias desta que será a primeira visita ao estrangeiro de Leão XIV, importa um olhar que procure compreender as razões para esta visita à Turquia e ao Líbano.

A mais óbvia, e já em si muito importante, encontra-se no aniversário do Concílio de Niceia (no ano de 325, convocado pelo Imperador Constantino), o marco fundamental na criação de uma ortodoxia no cristianismo, até essa data tão marcado por inúmeros movimentos com grandes clivagens teológicas entre si.

Mas Niceia não é apenas um ponto de partida do que podemos designar por Igreja Católica. Niceia é o denominador comum entre o Catolicismo, as Igrejas Ortodoxas e as Protestantes. Ir a Niceia é um ato ecuménico de afirmação do básico e essencial. Esta viagem é a procura de um encontro com o antes de todas as divisões.

É claro que cabem, e com razão, todas as reflexões e interrogações sobre o movimento ecuménico lançado pela Igreja Católica após o Concílio Vaticano II, mas estamos, sem dúvida, perante um gesto de busca de pontes como, aliás, o próprio logotipo da visita aponta.

As mesmas razões, agora toma das de forma diferente, são centrais na visita ao Líbano, possivelmente o país mais multirreligioso da região. Além de diferentes e várias tradições religiosas, o cristianismo encontra-se presente milenarmente no Líbano, com importantes comunidades (Maronitas, entre outros).

Hoje, num quadro em que esta religião é perseguida em tantas geografias, com destaque para o Médio Oriente, esta visita é reforçada com essa mensagem que, ao diálogo, soma a tolerância que marcou tantas vezes a região, mas agora se acha fragilizada.




quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Frase do dia: "Israel should Never Exist"

RADICALISMOS


Quando os caminhos se fazem no mundo dos radicalismos, apenas podemos esperar colher tempestades de ódio.
Esta imagem foi hoje captada na emissão da RTP3, numa reportagem sobre a manifestação que está a ter lugar junto à Embaixada de Israel em Lisboa, a propósito da prisão de cidadãos que davam corpo à flotilha humanitária que pretendia levar ajuda humanitária a Gaza.
A luta, no Ocidente Europeu, pelos direitos do Povo Palestiniano ultrapassou em muito esse mesmo povo:
- Por um lado, tornou-se imagem e material para a luta de algumas esquerdas contra o que ainda representam como um imperialismo americano e europeu;
- Por outro lado, ultrapassaram-se todos os limites racionais da contestação e luta, defendendo, de facto, os princípios radicais dos que pretendem arrasar o Estado de Israel.


E este último ponto é comprovado, entre muitas outras formas e momentos, pelo cartaz que vemos nesta imagem. E, quando chegamos a este ponto, já deixámos para trás muitos dos mais importantes princípios que definem a nossa civilização.
Defender o fim do Estado de Israel é, ao mesmo tempo, defender o terrorismo que o tem apregoado. E é, também, defender regimes onde muitos dos que na Europa lutam pela Palestina, nunca teriam lugar.
Isto é, muitas das lutas que a esquerda travou em defesa de Direitos Fundamentais, seriam totalmente negados nesses regimes e os seus membros punidos brutalmente.
Acho que tudo está virado ao contrário e vemos quem deveria ser a vanguarda a ir ao encontro da barbárie.

domingo, 21 de setembro de 2025

Rosh Hashanah - Início do Ano Novo judaico e a memória da Humanidade nascente

1 de Tishrei (ao pôr-do-sol de 22 de setembro)


O início do Ano Novo na tradição judaica encontra-se profundamente ligado à ideia de renovação. Normalmente, os calendários encontram muitas vezes ciclicidades ligadas ao mundo agrário, aos ritmos da natureza, às ideias de renascimento e de morte, seguindo as estações do ano. 

No caso judaico tal pode acontecer, mas o sentido profundo teológico encontra-se na própria ideia de Criação do Mundo, mais propriamente, da Humanidade. De facto, as tradições rabínicas colocam a abertura do ano nesta data porque é aí que, interpretando os Textos Sagrados, a Torah, se definiu ter sido criada a Humanidade. 
Assim, este início de ano é um momento absoluto e único que, não apenas marca e festeja essa data primordial, como liga toda a comunidade ao que de essencial ela representa. No livro de Levítico 23: 24, na referida Torah, fala-se no dia Dia da Aclamação. O sentido é o de ligação ao momento primeiro da Criação e, obviamente, ao próprio Criador.
Assim, este dia é, verdadeiramente, o momento de reflexão e de balanço de todo o ano anterior. No primeiro dia do ano dá-se início a todo um período de meditação em torno das falhas marcadas, muitas vezes, pelas imagens das desobediências e dos erros das personagens do Génesis bíblico, seja Adão e Eva, ou mesmo Caim.
Esta ideia mais não é que um recentrar a ideia de Criação na de Justiça, a mais interessante dimensão ecológica na forma de ver o momento primeiro de onde todos partem. Isto é, só há integridade da Criação, no sentido do mandato dado à Humanidade, se ela se espraiar pelos tempos através da procura da Justiça.
Passagem de um ano a outro, para algumas tradições, este dia é o Dia de Julgamento, o dia em que o Criador faz o balanço entre os justos e os ímpios. Na espiritualidade de cada um, este primeiro dia do ano abre dez dias de reflexão que terminam no Dia da Expiação, o Yom Kippur.

O Ano Novo judaico, mais que um evento de celebração, com os seus rituais e orações próprias, é um tempo de meditação, de balanço e de avaliação.

sábado, 23 de agosto de 2025

Nuno Baltazar e a Sra. de Fátima: a matéria do religioso recriada entre o kitsch e camp

Parte do património mais importante que temos, não é construído, nem se encontra em catálogos de arquitetura, pintura ou escultura. São do campo das ideias que constroem as identidades, são do universo do que não se salvaguarda colocado numa redoma. Antes pelo contrário, aquilo a que podemos chamar e Património Cultural Imaterial encontra-se no universo popular, na junção entre o crer e o ser, sem grandes monumentalidades e muitos sentires.

Na visita ao MUDE - Museu do Design, a exposição "PORTUGAL POP. A MODA EM PORTUGUÊS. 1970-2020" dá-nos um rico manancial de exemplos da recriação de símbolos e de outros elementos tradicionalmente identificados como importantes na imagética nacional.

Contudo, entre tantas peças de interesse, uma tríade de Nuno Baltazar ganha um lugar de grande destaque, pela forma arrojada e, ao mesmo tempo, simples, de recriar elementos religiosos fora do seu contexto, dando-lhe uma nova dimensão estética, num magnífico cruzamento entre o kitsch e camp.

Retiradas da coleção “Transverse”, do outono/inverno de 2024, estas peças são, nas palavras do Press Release que apresenta a coleção, “um exercício para a criação de diálogos visuais anacrónicos, que resulta de o cruzamento de diferentes personagens […] uma dialética subversiva em que desenraíza conteúdos religiosos e os contextualiza em novos corpos performativos, numa narrativa que cruza a cultura popular com a queer.” (https://www.nunobaltazar.com/collections/38-or-transverse-aw2324/)

Estas peças são um salto de liberdade criativa, o resultado de uma capacidade ímpar de pegar no tradicional e, retirando-lhe o tapete, o colocar num cruzamento entre aquilo que nos espanta e, imediatamente, admiramos.










terça-feira, 19 de agosto de 2025

Os passos da Azinheira Grande sobre a muralha romana de Idanha-a-Velha

 


Com os Ents, Tolkien introduz na cultura popular do ocidente a figura das árvores que falam e andam. É, sem dúvida, uma das figuras mais ricas d’"O Senhor dos Anéis". Árvores protetoras das florestas da Terra-média, são apresentadas como seres antigos, repositório de uma sabedoria que hoje nos confronta. Com uma profunda ligação à natureza, a forma como se movem e falam, com uma lentidão que, ao primeiro olhar advém apenas da sua colossalidade, os Ents são a imagem do tempo que não se esvai no momento, da ponderação e da serenidade, típica de quem consegue ver bem de cima, nunca tomando o todo por parte alguma.

Esta imagem criada por Tolkien no final da década de trinta do século XX, facilmente encontrou material onde se encrustar com muito significado. Vindos do século XIX onde se valorizaram os jardins, na herança do XVIII onde se multiplicaram os jardins botânicos, com toda uma profusão de exótico, as árvores monumentais e antigas ganharam um lugar de destaque na própria ideia de património, sendo hoje classificados e protegidos os espécimes mais antigos ou mais majestosos.

Parecendo galgar o suporte a que se agarra, dando a sensação de estar num desequilíbrio que a fará dar mais um passo, a chamada Azinheira Grande, em Idanha-a-Velha, é uma imensa e centenar árvore que facilmente alimenta a nossa imaginação, depois de um primeiro longo momento de espanto.  

Alcantilada no topo da muralha romana, com um pendor que a coloca numa posição ilusoriamente dinâmica, esta espantosa azinheira de gigantesco porte encontra-se agarrada ao forte núcleo argamassado da muralha, parecendo como que ingerir alguns dos monólitos no seio das suas fortes raízes.

Toda esta árvore é um imenso conjunto de metáforas, no cruzamento entre a cultura e a natureza, ou entre a estaticidade do construído e a dinâmica do natural. Quem domina quem? Quem supera e vence? Quem se lança para um futuro mais eterno?

Naturalmente, recordo a peça de Alejandro Casona, “As Árvores Morrem de pé”, popularizada em Portugal através da interpretação de Palmira Bastos em 1966, em gravação feita pela RTP.

Esta, felizmente, aparenta estar longe de morrer, mas mostra-nos como é o viver. Mesmo que seja entre largos silhares de uma construção já com mais de milénio e meio, uma “ciclópica” muralha romana. Desequilibrada, sem terra fértil onde colocar as suas raízes, lá está ela a dizer a cada um de nós que uma simples semente, uma vez lançada, pode germinar e dar o maior dos frutos, mesmo em ambiente hostil.








domingo, 17 de agosto de 2025

Um local de “dormição”. O Mosteiro Ortodoxo (Romeno) da Dormição da Mãe de Deus, em Idanha-a-Nova


No meio da paisagem aparentemente monótona da Beira Baixa, entre afloramentos graníticos dignos de sagas cinematográficas que nos fazem crer que existem dragões, e um ou outro pinheiro, oliveira, sobreiro ou carvalho, que insistem em dar sombra a algum grupo de gado nestes dias abrasadores, o Mosteiro Ortodoxo da Dormição da Mãe de Deus, em São Miguel d’Acha, Idanha-a-Nova, é um paraíso que qualquer um pode encontrar.

Nestes dias em que tudo arde em Portugal, das matas à nossa confiança, entrar no espaço envolvente deste mosteiro é como que sair do tempo e do espaço profano e encontrar guarida numa pequena mancha de terreno onde tudo está cuidado, qual natureza transformada em cantinho do Éden.

Caminhos, canteiros, bancos, edificações, tudo é orgânico e nos conduz à igreja de onde, ainda ao longe, ouvimos o cantochão que nos mostra que um ofício está a decorrer. Mais nada se ouve, a não ser essa música. Uma ou outra roseira capta o nosso olhar nesse caminho, mas a direção está definida. Aproximamo-nos e, do lado de fora da porta, ficamos a ouvir.

Entramos uns minutos mais tarde, quando o ritual termina e as pessoas começam a sair. É paz o que se sente. É serenidade o que vemos nos rostos que, sem hesitação, nos acolhem e nos dizem, num castelhano que nos deixa espantados, que podemos entrar, ver, estar.

Comentamos com eles esse sentimento de calmaria que corre no ar, infundido, não só pela música que acabara de terminar, como pelo incenso que ainda estava intensamente no ar. Pertencente à Diocese de Portugal e Espanha do Patriarcado da Roménia, este espaço acolhe os visitantes de uma forma aberta e com um espírito apaziguador.

Visitámos o templo, ricamente pintado, onde o Bispo da Ibéria, Vigário desta Diocese que não segue as fronteiras do mundo dos humanos, ainda se encontrava a acolher quem tinha participado na liturgia.

Deixados os metais à porta, despojados das tensões do exterior, esta visita foi o bálsamo perfeito para nos recentrar no fundamental.








sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Portugal e a antiguidade dos sefarditas. Uma peça identitária fundamental

"Anterior em alguns séculos ao Cristianismo, o judaísmo sefardita é parte sem a qual é impossível compreender Portugal."


A minha crónica no Observador, integrada na série "Portugal 900 Anos", da Sociedade Histórica da Independência de Portugal.


https://observador.pt/opiniao/portugal-e-a-antiguidade-dos-sefarditas-uma-peca-identitaria-fundamental