sábado, 20 de setembro de 2014

Frei Bento Domingues, reinventar a criança em nós

Frei Bento Domingues foi ontem homenageado num plenamente cheio auditório da Fundação Gulbenkian. Ouvi falar sobre ele. Ouvi-o a ele falar. E era imperativo escrever sobre esta figura que tanto me marcou, e cada vez mais marca.

E é imperativo trazer Frei Bento à luz destas linhas porque elas nunca lhe poderão corresponder. Por mais que martele nas teclas, delas nunca daqui sairá o sorriso que é seu apanágio. Sim, em Frei Bento, é o seu sorriso contagiante que mais facilmente nos deixa desarmados, provocando-nos um inevitável transtorno. Um sorriso que é imagem do que devíamos dar a nós mesmos como seres humanos - a arte de sorrir, o tão difícil keep on trying, smile, seguindo Chaplin. Frei Bento desarma-nos numa luta que é o colocar-nos ao espelho. Essa é a sua principal arma.

E essa tal arma ele usa-a de forma tão simples e tão desconcertante que muitas vezes nos deixa sem saber o que é acaso e o que é pensado. De acaso nada tem, mas de pensado, muito menos. E é neste jogo de tantos inesperados que por vezes deixamos de saber o que é a sério e o que é a brincar, o que é crítica e o que é gozo, acima de tudo, o que é ironia (se o "a sério" tiver fronteiras muito definidas, reduzimos tudo aos maniqueismos simplistas de tudo arrumar em bom e em mau - não me parece que Frei Bento nos resuma e nos arrume dessa forma).

Há alguns anos, num baptizado, uma amiga, estupefacta com a forma como o Frei Bento se entrosava com as crianças durante a cerimónia religiosa, perguntava-me, espantada: "ele é sempre assim?". Pressenti ainda uma segunda questão, encapotada na primeira: seria “estilo”?. Sim, ele é sempre assim, disse eu, acrescentando como resposta à pergunta não feita, que não era estilo, era feitio! E é mesmo. É feitio, é forma de ser e de agir que sai espontaneamente, sem treino, sem pensar como sai na fotografia.

Estava ontem sentado num elegante sofá da fundação, aguardando com a minha filha a conferência do Dimas de Almeida, quando ouço da voz de uma jovem uma frase que reconheci logo. Dizia a jovem de pouco mais de 20 anos a alguém que poderia ser seu avô que ele, o Frei Bento, se o encontrasse lhe perguntaria logo se era feliz.

Reconheço essa frase, essa forma de contender picando-nos com uma afirmação que nos deixa descalços, uma frase que, no seu quê de aparentemente simplista, nos reduz a um simples essencial: a felicidade.

É de uma simplicidade existencial que nos choca. Quantas vezes paramos para nos perguntarmos se somos felizes? Esgotados no frenesim do momento presente, um momento ao ritmo dos SMSs, dos telemóveis e dos facebooks que nos geram amigos nunca vistos, vivemos estasiados por alegrias efémeras, incapazes de felicidade prolongada.

E, voltando às crianças e aos sorrisos, tudo o mais, é a máxima de Jesus, a figura que ele segue tão apaixonadamente. Se Jesus dizia "deixai vir a mim as criancinhas", então Frei Bento ensina-nos e pratica-o afincadamente, na simplicidade de ser criança. Sendo criança, irrequieto, capaz de brincar, essencialista, Frei Bento solta-nos das amarras de uma adultisse sem humanismo. O humanismo ele encontra-o e constrói-o no sempre ser simples, como uma criança.

E como criança. No dia-a-dia das necessidades desse mesmo quotidiano, Frei Bento faz algo a que damos o nome pomposo de Teologia. Mas não é isso o que ele faz. É que o mais sábio de tudo é saber que os caminhos não se encontram prontos, qual prêt-à-porter. Não são os artigos certos dos catecismos e dos dogmas que nos indicam o caminho a seguir. Ou melhor, indicar, indicam, deixa é de ser caminho. Porque o caminho faz-se, na frase batida, caminhando, não seguindo.

Na irrequietude e na inquietude, Frei Bento apenas nos diz o fundamental: Só sei que não vou por aí.








3 comentários:

  1. Frei Bento Domingues é uma das personalidades que muito admiro, talvez por essa forma simples e natural de comunicar, falando de coisas sérias espontaneamente, como se estivesse a brincar.

    ResponderEliminar
  2. Conheço apenas frei Bento pela sua obra. Creio que nunca falei para ele diretamente mas é como se já convivesse com ele há muito tempo e, no entanto, continua sempre a entusiasmar-me com a publicação do seu pensamento.

    Não dispenso o jornal "Público" dos domingos, essencialmente pelos seus artigos. No nº 8920 do dia 14 de Setembro, mais uma vez me deixa agarrado ao artigo intitulado "O desterro da teologia". Diz frei Bento que "A religião surge como a suprema rebeldia contra o destino";
    "[...] a palavra Deus precisa ser continuamente lavada e resgatada dos seus repetidos usos ridículos e criminosos, tanto no passado como no presente, mas não renuncio a ela. Na nossa cultura, o melhor e o pior são sugeridos por essa palavra e por nenhuma outra com a mesma eficácia".

    No mesmo artigo cita Kant, São Tomás de Aquino e Christian Duquoc. O seu pensamento está sempre atualizado, enérgico e decidido e ao mesmo tempo posicionado numa atitude de humildade de um ser que sabe habitar este universo de "13 biliões de anos" por onde já passaram e certamente voltarão a passar biliões de pessoas.

    Diz frei Bento que "[...] a razão não é tudo no conhecimento humano. Esta [a razão] tem a estranha particularidade de suscitar questões que não pode resolver". E esta humildade é simultaneamente a sua fortaleza.

    Uma boa semana e um Outono resplandecente para a alma.

    Cumprimentos
    Alfredo Anciães

    ResponderEliminar
  3. Um dos verdadeiros homens do nosso tempo: com um sorriso rasgado, desconcertante, humano, simples, divertido. e com uma força enorme, que indaga e que move.

    Abraços
    Jorge Vicente

    ResponderEliminar