sábado, 1 de dezembro de 2012

Re-encontrar o medo

Todos sabemos que todos temos fases mais complicadas na vida. Se há sabedoria que não carece de demonstração, apesar do positivismo nos ter invadido a forma de usar o cérebro, é esta, a das verdades feitas que, por serem tão comuns, se dizem de La Palisse.
Mas as verdades lapalissianas não são de menor validade e interesse que as rebuscadas e obtidas por pensamentos elaboradíssimos. Antes pelo contrário. Estas, as que imitam no nome o orador de má memória, são a essência de muito do que vivemos. São milénios de saber filtrado por engenhosos tempo que tudo fia.
Hoje, estava convidado para um casamento, e não fui. Paixão pela noiva? Não, nada disso, apesar de se tratar de uma muito interessante mulher. Há duas semanas que tenho o meu pai internado. É a sexta vez este ano. Desta, foi mais duro, mais próximo de ver como o sono é mesmo irmão da morte.
De manhã, antes de ir tentar organizar o ataque a uma série de tarefas, fui à Feira da Ladra. Preciso de me reencontrar com velhos hábitos que me habitam ainda. Estive muito tempo deles afastado, mas sinto-lhes a falta. Será fragilidade? Será a eterna vontade de conforto nos ritos, nos gestos e nas tarefas que se repetem?
Seria eu, afinal, um conservador típico, mascarado num rosto onde o liberal e o vanguardista se mostram apenas em momentos de verniz muito fresco? Andei a procurar pequenos "santinhos", pequenos registos ou santos padroeiros, lembranças de comunhões. Quanto de vida se encontra nos molhos de centenas destas pagelas singelas [o corrector ortográfico não me identifica a palavra pagela... portanto, repito a terminação, reforçando a sonoridade que me estava tanto a apetecer!].
Foram em número de vinte as aquisições. Vida a preço insignificante. Devoções, entregas, anseios e medos. É um universo excepcional de crença e de temor. Protegei-me, rogai, são algumas das expressões repetidas nas décadas iniciais do século XX. Tanto medo se tinha. Tanto se procurava de segurança num mundo que parecia desmoronar-se, e não tinham, nem a TVI, nem o Correio da Manhã para os inundar do mais fétido estrume que se tem à disposição!
Num desses registos, com a imagem a preto e branco de N. Sra. da Conceição no lado frontal, alguém encomendou tudo o que tinha à Virgem. Vejam como trespassa de medo a vida desta pessoa, deste ser: 
                         
Oração Á SANTISSIMA
 VIRGEM
                 
SANTISSIMA VIRGEM MINHA
TERNA E BÔA MÃE; EU VOS ESCOLHO 
HOJE PARA SENHORA E MESTRA 
DESTA CASA. EU NOS [sic] PEÇO PELA VOS
SA IMACULADA CONCEIÇÃO QUE
A PRESEVEREIS DA COLERA, DO FO- 
GO, DA AGUA, DOS RAIOS, DAS TEMPES
TADES, DOS LADRÕES, DOS TREMORES 
 DE TERRA, E DE MORTE SUBITA. 
ABENÇOAE E PROTEGEI VIRGEM 
SANTA TODAS AS PESSOAS QUE 
AQUI MORAM OBTENDO-LHE A 
GRAÇA DE EVITAR TODO O PE 
CADO, OUTRAS DESGRACAS E ACI- 
DENTES. PERSEVERAI-NOS TAM- 
BEM: DAS REVOLUÇÕES DA ANARQUIA 
E DUMA MORTE VIOLENTA. 
AMEN 
                 
 ... até o medo à anarquia e às revoluções... é lindo como o político se imiscui com a natureza.
 Há falta de melhor, somos conservadores, claro.

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