quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Palavras antigas em caminho pelo mundo moderno

É por demais sabida a origem e inspiração antiga de muito do que de pensamento e inovação a civilização ocidental criou no último milénio. As heranças, que quase sempre nem imaginamos, carregamo-las diariamente.
Fugindo ao mundo das religiões, que são a maior mostra de continuidade a nível de pensamento e comportamento humano, olhemos para o universo das marcas.
Quase todos os ramos do saber necessitam, para se legitimarem, de ir buscar (ou melhor, rebuscar) uma origem à Antiguidade. Para os geógrafos é, entre outros, Estrabão; para os historiadores é Heródoto; para os médicos é Hipócrates, etc, etc, etc.
Qual a semelhança entre o métier desses pais originais e o dos seus discípulos actuais? Regra geral, nenhuma. Trata-se de um símbolo de paternidade.
E é de símbolos que interessa falar quando nos referimos a algumas das influências antigas na ciência actual.
Talvez a actividade de Hipócrates tenha pouco a ver com a dos clínicos actuais, mas a verdade é que boa parte dos produtos farmacêuticos actuais foi buscar nome a raízes directas do grego clássico. Essa opção torna mais fácil a percepção, por parte dos médicos, farmacêuticos ou doentes, do campo de eficácia do produto? Não, em princípio só os cidadãos gregos perceberão que, por exemplo, o xarope Atarax (sem o qual o meu agregado familiar não pode passar), faz apelo à ataraxia, uma espécie de estado idêntico ao nirvana que os gregos atingiam com algumas drogas.
Obviamente, é escusado falar nos nomes científicos dos animais e plantas … quanto de grego e latim se espraia na classificação de Lineu.
Mas é todo o nosso dia-a-dia que vai buscar referências imperceptíveis a esse horizonte. Sem se dar por isso, andamos a soletrar verdadeiras frases em grego, latim, hebraico, e até egípcio.
Haveria nome melhor para uma marca de produtos desportivos que Vitória (em grego niké)? E uma linha de produtos de beleza que fosse A Beleza (no grego to kálon)? E os electrodomésticos que são Optimos, Excelentes (em grego aríston)? E porque não referir a marca de produtos didácticos e pedagógicos que é colher, escolher ... (Lego, em latim)?
De facto, até o perdido egípcio hieroglífico, só decifrado no segundo quartel de oitocentos, deu nome a automóveis: o Opel Ká foi buscar o dito «ká» à palavra egípcia que designava uma das vertentes não materiais do corpo humano: um verdadeiro, como a publicidade dizia, “carro com alma”. Mas o mundo automóvel está repleto de referencias à Antiguidade: do Clio (musa latina da história) ao Megane (superlativo de mega, grande em grego), muito mais se poderia referir. E por falar em «grande», também a relojoaria não ficou imune a este vocábulo usando-o para uma das suas principais marcas, a Omega.
Mais se poderia acrescentar. Quando ouvimos falar na Nissan, estamos a recordar um mês do calendário semita antigo; quando compramos as pastilhas da Adam’s, dizemos o nome do primeiro homem da criação divina.
Enfim, “o mito é o nada que é tudo”, nas palavras de Pessoa. Não tivesse sido debaixo de uma macieira que Newton teve a ideia da Lei da Gravitação Universal … no fundo, uma das árvores que na leitura medieval e moderna da tradição judaica era a Árvore do Conhecimento que estava no Éden… Nunca poderia ter sido debaixo de uma figueira!

5 comentários:

  1. Interessante,sempre que "ministro" História grega aos meus alunos, procuro fazer esta simbiose entre o passado e o presente. Os ténis NIKE são sempre uma vitória para a motivação.

    Marília

    ResponderEliminar
  2. Muito interessante, este artigo. Gostei especialmente do o kálon e do niké...

    ResponderEliminar
  3. Fantástico artigo, caro Paulo!

    Muito bom!

    Abraços
    Jorge Vicente

    ResponderEliminar