É complexa e prenhe de incertezas a linha que transmitiu o
conhecimento dos textos antigos herméticos até ao fim da Idade Média e, depois,
ao nascimento, quer do rosacrucioanismo no século XVII, quer da maçonaria no
século XVIII.
Não sabemos em que rosas se terão transformado os pães que a
santa rainha distribuiria aos pobres. Mas sabemos que a escolha destas flores
para centro desta lenda implicou, inevitavelmente, que o seu conteúdo simbólico
fizesse apelo a elementos de significativa força, correspondente a múltiplas
leituras, mas una em significado. Obviamente, não estávamos perante um rei
malvado que mandaria decapitar a sua rainha por esta dar de comer aos pobres.
Que comida, que pão seria esse que se transformou em rosas? Logo em rosas?...
Na sua multiplicidade de espécies, com os seus matizes de
cores, volumes e tipos de pétalas, as imagens riquíssimas de simbologia estão
sempre presentes nesta flor, tratem-se das Rosas de Sta. Teresinha, simples,
singelas e pequenas, ou nas …. Rosas de José de Arimateia, remetendo-nos
directamente para a personagem que teve a responsabilidade do depósito do corpo
de Jesus, e que, em algumas tradições, recolheu o sangue de Cristo no Graal.
Não é pouco vulgar a assimilação desta flor com grande valor
simbólico ao sangue Cristo, ao que ele representa de sofrimento, mas também de
conhecimento, de superação e de capacidade regeneradora. Ou não fora, mesmo
antes do nascimento de Jesus, esta a flor que, segundo algumas tradições, fora
tingida pelo sangue que escorrera das feridas da amada de Adonis, Afrodite,
aquando da perseguição que dera a morte a este.
Na tradição rosacruciana, a rosa é colocada exactamente no
centro da cruz, tomando o lugar de destaque dessa imagem, no espaço
iconográfico do próprio Cristo, como que o representando na sua essência,
opondo-se à materialidade que é o lenho. A rosa representava, através dessa
oposição, a espiritualidade implicada no processo de procura. O pão que se
transmutava em rosas, teria o mesmo sentido, o alimento material que se
transformava em alimento do espírito, de procura.
A simbologia desta flor vem de longe. É com este símbolo da
beleza e do segredo que a amada cantada no chamado Cântico dos Cânticos se identifica (Cant. 2,1): Rosa de Saron.
Geometrizada e “orientada”, cosmicizada qual dimensão de uma sabedoria cósmica,
a rosa ainda a é dos “ventos”,
indicando sempre esse Oriente marcado pela direcção de Jerusalém. E o Rosário,
que Maria tanto quer que os fieis rezem, ainda tem marcado no nome essa
dimensão de completude que a rosa foi buscar quando ao longo da Idade Média foi
sendo plasmada à imagem da roda, ao circulo perfeito, aqui a Coroa de Rosas, na
tradição católica. O Rosário, tal como existe hoje, foi entregue pela Virgem a
São Domingos de Gusmão em 1206, já no século em Isabel de Aragão foi desposada
por D. Dinis.
Seguindo a imagem da Rosa de Saron do Cântico dos Cânticos,
na actual França, exactamente nesta mesma época, era começado a escrever o
célebre Romance da rosa. A
coincidência temporal e proximidade geográfica fazem caminhar o olhar para fora
do horizonte das coincidências. O valor do símbolo estava assumido.
Mantendo uma tradição que se consegue perceber, pelo menos,
desde o século X, no 4º domingo da quaresma, o Dia das Rosas, o papa ainda hoje
benze uma Rosa de Ouro, recriando o ritual em que levava uma Rosa também de
Ouro à Basílica de estacional de Santa Cruz de Jerusalém, ligando, mais uma
vez, a Cruz à Rosa.
A história popular da Rainha Santa Isabel é, sem dúvida, uma
das mais conhecidas em Portugal, e que em muito marcou o imaginário nacional.
Essas rosas colhidas em Janeiro do regaço da rainha, foram uma parte de um
folclore que perdeu o sentido por detrás dos símbolos. A época exacta do
aparecimento desta lenda não está determinada com rigor. Apenas sabemos que
ainda não consta de uma biografia, anónima, escrita no século XIV. É bem
provável que circulasse oralmente. A versão escrita mais antiga deverá ser a
transmitida através da Crónica dos Frades
Menores, de Frei Marcos de Lisboa, 1562.
Através de séculos largos e com narrativas e símbolos
complexos de entender, tal como a Rosa, muitos conteúdos foram sendo recriados
continuamente por grupos que tinham na procura do conhecimento e na compreensão
do mundo o seu polo aglutinador de sentido.
Quanto da nossa cultura herdámos destes grupos altamente
letrados e com uma dedicação elevadíssima ao conhecimento? Sem preconceitos,
com rigor e com respeito, é esse o trabalho que em Portugal se começa a fazer
através da proposta editorial que a Fundación Rosacruz aqui nos trás.
A área de Ciência das Religiões tem a maior honra em poder
participar deste trabalho de rigor que, estamos certos, é apenas o começo de
uma caminhada que n os levará a mais e mais profundo conhecimento de nós
mesmos.
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Texto publicado como introdução ao livro A Sabedoria do Silêncio, da Fundacíon Rosacruz, aquando da exposição homónima na Torre do Tombo, em Lisboa.
É também o caminho pelo deserto, por reconhecer que o não saber nos leva à descoberta de um Deus desconhecido, cujo Nome vai além dos nomes e mora nas 'rosas que florescem sem porquê' (Angelus Silesius)
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