sábado, 26 de maio de 2018

Egipto - Dia 1 - Antes


Dia 1
Antes

Para além de libertador, viajar tem o seu quê de condenação, de irredutível e de irreversível. Saímos do nosso espaço, do nosso gerir do tempo e relações. No aeroporto, numa loja de produtos supostamente nacionais, que desenvolvem toda a uma imagem em torno de lugar comuns de uma identidade, tomo o meu “último” café, condenado a só sentir novamente o aroma de um Delta daqui a dez dias. Até lá, apesar das possíveis doses de cafeína, nada se lhe comparará, por mais que seja única a experiência de estar no Egipto. É assim. Somos muito corpo, sabores e vícios.

Antes da vinda para o aeroporto, fui almoçar com os meus filhos. No intervalo das aulas, lá fomos a um restaurante junto à escola, no Campo Grande. Veio o Gonçalo, a Raquel a Matilde: todos. Foi uma forma de dizer “até logo”, de estar junto ao mais importante. A Zé estava a trabalhar; fiquei logo com saudades! Não tomei café.

Às previstas 14 horas, o grupo estava já reunido no sítio combinado. O Francisco, atarefado, organizava, orientava. Mal sabia que o primeiro voo se iria atrasar imenso, obrigando o grupo a um verdadeiro voo em pleno aeroporto de Frankfurt, tentando não perder o avião para o Cairo.

O Gonçalo perguntou-me ao almoço se eu estava muito entusiasmado. É verdade, chorei a primeira vez que fui a Tróia. O Egipto é para mim bastante diferente. Se o essencial de Tróia se encontra exactamente na época que me fascina, na passagem da Idade do Bronze para o Ferro, no final dos grandes impérios do segundo milénio, o Egipto é isso, e muito mais, é tudo o mais.

No Egipto, como os gregos tão sabiamente intuíram, tudo nasceu. Não tudo, sim, mas muito do que é fundamental na construção do que somos. Da ideia de conhecimento, do culto e da religião em torno da morte como salvação, à medicina e à técnica, quanto de egípcios nós temos na forma de organizar e de ler o mundo.

Quase tudo o que de sentido iniciático temos, elo Egipto foi inspirado. Toda a mitologia que suporta a transcendentalização do indivíduo, tornando-o deus, dando-lhe a imortalidade, veio desse vale próspero do Nilo.

Contudo, muito se perdeu. A ideia de pecado, a noção de que a humanidade é falha, de que os prazeres são para serem subjugados a uma vontade que os aniquila, ganhou, apesar de o Egipto defender exactamente o oposto. E quanto somos herdeiros dessa linha que nos continua a desgraçar nos divãs dos psicólogos!

Sim, estou entusiasmado. Mas, acima de tudo, estou assombrado. Não sei como irei reagir em certos lugares, tal como não sabia que iria chorar ao chegar junto das muralhas de Troia.


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