sábado, 12 de julho de 2014

Percursos | Vidas | Interrogações

Quem anda pelo universo das religiões não consegue deixar de se espantar com o que de serenidade a religiosidade e a espiritualidade conseguem realizar. Pelo meu lado, em diversas e por vezes bem longas e profundas conversas, já tive oportunidade de debater, de ouvir e de argumentar com um bom grupo de líderes religiosos. A chama no olhar sempre me fascinou, mesmo quando eu não concordava com o que me diziam.
               
Talvez não seja estranho que muitos dos Textos Sagrados sejam escritos em poesia. Desde as minhas primeiras abordagens à Ilíada que me apercebi da dimensão inevitavelmente profética da poesia quando olhada a partir do referencial humano. Dela brota um sem tempo que é, obviamente, mais futuro que passado, mesmo quando ela nos fala de saudade, por exemplo. É um sem fim, um pretérito imperfeito, um continuado que precisa da voz do leitor para se consumar.
       
E parece que assim são os Textos Sagrados no que dessa tal serenidade fornecem. Entre crentes de tantas e tão diversas religiões, sinto-me ao mesmo tempo priveligiado e incompleto. É de uma vertigem assombrosa, mas deliciosa, num mesmo dia, como o de hoje, receber um e-mail de uma amiga hindu a tratar-me por "irmão", ter uma longa conversa com um mórmon sobre a sua visão cosmogónica. Pelo meio, recolhi textos de várias religiões para um evento em torno da ideia de Utopia, e recebi um e-mail de um amigo, judeu, que admiro como a poucas pessoas, dando-me um inesperado elogio por ter ajudado na edição de um texto de um humanista português.
               
Contudo, numa tantas vezes avalancha de troca de experiências e de sabes, remeto-me no fim para um lado de fora que me sabe sempre a pouco. Terminei o dia com um outro amigo, rosacruz, a reflectir sobre isto mesmo. Com benevolência, poderia dizer que é o início de uma gnose. Pelo menos, vou-me "conhecendo a mim mesmo"!
               
Pelo meio vivo momentos de completude que me fazem sentir esse sabor perfeito da serenidade, que me faz acreditar que sim, por vezes é possível ver a Luz. Há pouco tempo, da forma mais inesperada, um aluno brasileiro, evangélico, neo-pentecostal, fez-me ficar de boca aberta até hoje.
                       
Foi uma das maiores recompensas que alguma vez tive. Depois de dois dias intensos a debater o judaísmo e a desconstruir muitas das ideias feitas, a ser verdadeiramente incómodo, veio reunir comigo e, ao despedir-se, citando o Salmo 112 da Bíblia, disse-me, agradecendo: "A geração dos justos será abençoada".
               
Não consegui chorar.
Senti uma serenidade profunda, uma calma indizivel.
Obrigado.
                 
                           

8 comentários:

  1. Amigo. Este teu texto está excelente. Pena é que as religiões nem sempre sejam estudadas e praticadas por justos. Muitos se servem delas contra tudo e contra todos, causando grandes males ao mundo. Os aproveitadores das religiões não são justos.

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  2. "Felizes os puros de coração, porque verão a Deus" Mt 5,8

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  3. Paulo, este teu texto é maravilhoso. Vou partilhar.

    Um grande abraço
    Jorge Vicente

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  4. Excelente texto. Tenho de passar mais vezes neste "restaurante para a Alma". :)

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    1. O mesmo lhe digo: Obrigado pelas palavras. São estímulo muito importante!
      É mesmo muito bom ouvir essa expressão de "Restaurante para a alma"!

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