É quase unânime que o
papa Francisco tem tomado muitas iniciativas e posturas que, longe de alterarem
os dogmas propriamente ditos, em muito beliscam as posturas e as formas
instaladas que definiam o que era o ser cristão católico. Um dos campos mais
interessantes encontra-se na forma mais aberta, mais leve, mas também mais na
essência dos próprios rituais religiosos.
Olhemos hoje um pouco
para temas que aqui na Life&Style são residentes: família e crianças. Ora,
Francisco tem inovado bastante no que respeita a algumas posições mais
restritivas que grande parte do clero católico tinha adoptado. O facto de o Papa
ter batizado o filho de uma mãe solteira e a filha de pais casados civilmente,
não se afigura como uma novidade teológica muito grande nem uma evolução (como
chegou a ser dito), mas é um sinal, entre muitos outros, que o Sumo Pontífice passa
para a hierarquia.
Mas Francisco tem ido
ainda mais longe, especialmente quando olhamos para a forma como quer enquadrar,
enquanto normalidade, as acrianças nos ritmos das práticas católicas. Numa
recente cerimónia, bem ao jeito do Bergoglio que obviamente habita por baixo
das vestes imaculadamente brancas do Papa, Francisco desdramatizava aquilo que
tantas vezes é empolado e condenado nas celebrações católicas um pouco por todo
o mundo: as crianças, na sua irrequietude e, muitas vezes, com o choro,
atrapalham, desconcentram e retiram dignidade ao momento eucarístico.
Ora, o papa sugere
mesmo que o coro que cantava na cerimónia se ouvirá, sim, mas as crianças não deixarão de se ouvir também,
nem devem ser recriminadas por chorar, uma vez que, elas
são "o coro mais belo".
Mas dentro de um certo puritanismo que nos contagiou ao longo dos
séculos XIX e XX, Francisco recoloca o essencial da maternidade no centro
devido, até em termos teológicos. De facto, ao longo dos tempos, as rotundas
Virgens do Ó quase desapareceram dos altares, assim como as ainda mais
impúdicas Virgens a amamentar. Numa religião e numa confissão que tanto se move
e se inspira na dimensão da maternidade e da concepção, esta é uma ironia que
demonstra o muito esforço que a Igreja fez em afastar a natureza mais humana do
seu espaço mental.
Já numa entrevista, Francisco
tinha desdramatizado a necessidade das mães darem de mamar às crianças durante
as cerimónias papais (geralmente demoradas). Ora, várias vezes o voltou a fazer
publicamente, afirmando que as mães não devem ter complexo algum em amamentar
durante a cerimónia em causa, que o mais importante são mesmo as crianças e, se
elas têm necessidade de comer, pois que se alimentem.
Por definição, as celebrações (religiosas, ou não) são momentos de
festa, de alegria, de reunião de amigos e de pessoas que partilham uma mesma
fé. A forma como o Papa desdramatiza estas duas questões, a naturalidade com
que as apresenta e a alegria com que as transmite é reveladora daquilo que
pretende para a Igreja. Uma Igreja que se quer mais aberta, mais acolhedora,
mais festiva. Agora resta saber se o exemplo será seguido…
Com Fernando Catarino, na Life&Style do Público, a 6 de Junho passado.
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