terça-feira, 7 de maio de 2013

A construção de uma sociedade do medo e da acusação


Uma das grandes questões que se regularmente se colocam, remete-nos para o mundo do tudo ou nada: “O que mudou após o 11 de Setembro?”, perguntamos nós como se a data fosse um momento axial em torno da qual tudo gira.
Mas, olhando bem para o que mudou, vemos que pouco do que se esperava realmente aconteceu. Do lado dos “outros”, não vieram novos mega-atentados (a escala e a espectacularidade foi-se sempre reduzindo). Do lado “ocidental”, parece que nada aprendemos na forma de nos relacionarmos com esses tais “outros”. Veja-se o Afeganistão e o Iraque, para rapidamente se perceber que as lideranças das coligações pouco sabem sobre como se moverem nesses espaços humanos estranhos.
Mas sim, deu-se uma grande alteração. E essa alteração não nos remete apenas para os dados directamente relacionados com o 11 de Setembro e com a Al-Qaeda. É no campo construção da própria imagem que tudo se dá na Europa e nos EUA.
Essa grande alteração dá-se exactamente no momento em que ainda se digeria a saída da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim. O “ocidente”vira-se catapultado, e gostava dessa distinção, para o único modelo a sobreviver, a sociedade vencedora que seria imitada unanimemente; bastaria o tempo para que essa verdade se afirmasse incontestavelmente. A perfeição era óbvia com a queda dos regimes da última grande utopia, o socialismo soviético.
O dia 11 de Setembro de 2001 vem destruir de forma rude e violenta essa verdade que até ao minuto anterior era uma verdade absoluta. Não, afinal, a democracia ocidental não é assim tão desejada por todos… mais, essa repulsa merece os actos mais bárbaros no nosso próprio território. Mais que não estar imunes aos vírus, eles estavam exactamente onde se julgava ser o sucesso do modelo, a imitação: os estudantes estrangeiros aparentemente ocidentalizados poderiam ser o centro da conspiração…
O que nasce com os atentados não é, simplesmente, um clima de guerra, por mais estranha e diferente que ela seja, fora dos parâmetros clássicos. O que nasce aqui é um desgaste, uma erosão do ego de toda uma civilização. O resultado foi simples: de uma sociedade que se olhava como “o fim da História” seguindo Fukuyama, passámos a uma sociedade que se olha através de uma série de lentes de medo. Mais que procurar segurança, o inimigo pode ser qualquer um de nós.
Desde essa data, desde esse evento, que acentuámos os nossos desejos securizantes, as nossas fobias e os nossos medos enquanto civilização e sociedade. Não se trata apenas da segurança nos aeroportos, mas de toda uma forma de encarar o “outro”, seja ele um aparente muçulmano, ou o mais comum dos vizinhos do prédio. O medo tomou conta da nossa cabeça.
Aqui sim, neste campo, deixámos de ser a sociedade da confiança, para sermos a turba dos desconfiados. Remetidos para sistemas de vigilância, os principais alicerces da ideia de Democracia, foram sendo “limados”, adaptados e revistos. Todos somos possíveis acusados de tudo e de mais alguma coisa. No mínimo, hoje somos todos acusados de ter vivido acima das nossas posses.
Em dez anos, a Liberdade já nada tem a ver com o que era em 2001: somos vigiados constantemente e os nossos dados são recolhidos regularmente pelas mais variadas instituições. Até criámos formas de auto-regulação e de auto-censura, como se pode ver nas polémicas em torno das caricaturas de Maomé.
Sobre a Fraternidade, o seu estado está bem patente na dificuldade em a EU ajudar os países com problemas financeiros. Após dezenas de anos de Fundos de Coesão… hoje isso é uma miragem que parece vir de um conto utópico.
E a Igualdade? Nos poucos países do mundo onde se procurava alguma dessa igualdade nas formas gratuitas de certos bens essenciais e cuidados primários, hoje vemos a incapacidade de os manter e a inevitabilidade de os “aligeirar”.
Assim somos nós, dez anos depois. Todos somos possíveis delatores. Todos somos críticos acérrimos, mas quase sempre sem qualquer fundamento. Todos somos, no fundo, paranóicos, quer ao nível do indivíduo, quer ao nível das instituições dos Estados.
Liberdade, Fraternidade, Igualdade… De facto, a Revolução Francesa já lá vai há muitos anos…

Jornal Público,  13 de Setembro de 2011, p. 31.

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